A gastrodiplomacia, a economia criativa e o Brasil – por: Luiz Alberto Machado

Joseph Nye, um dos mais consagrados teóricos das relações internacionais, tornou conhecida mundialmente a expressão soft power, que pode ser traduzido por poder brando (ou poder suave) e que se contrapõe ao hard power, o poder que um país obtém graças ao uso da força, expresso na maioria das vezes pelo seu poderio militar. No livro Soft Power: The means to success in world politics (New York: Public Affairs, 2004), Nye explica o termo como sendo a construção de uma imagem positiva de um país sem o uso da força. Podemos citar, por exemplo, a cultura (como a Coreia do Sul e seu k-pop), os filmes de Hollywood (largamente utilizados pelos Estados Unidos para disseminar o american way of life), ou heranças civilizacionais riquíssimas, como as da China e da Índia, expressas por meio da popularização de práticas como yoga, ayurveda ou tai chi (enfatizando ser necessário o homem respeitar e integrar-se com a natureza). Tais exemplos de imagem positiva transformam-se, com o tempo, em influência política. Em alguns casos, resultam também em ganhos econômicos. A gastronomia vem ganhando espaço cada vez maior entre as estratégias adotadas por diferentes países para projetar internacionalmente seus valores e sua cultura, dando origem inclusive a uma nova expressão para designá-la: a gastrodiplomacia. No artigo Gastrodiplomacia: o poder da comida nas relações internacionais[1], Arina Ferraz e Fernanda Bassi explicam que “o termo gastrodiplomacia – ou diplomacia gastronômica – é usado desde os anos 2000, quando foi popularizado pelos pesquisadores da área de diplomacia pública Paul Rockower e Sam Chapple-Sokol”.Em um artigo de 2014, Rockower descreveu a gastrodiplomacia como a maneira de “conquistar corações e mentes por meio do estômago”. Segundo ele, “assim como a música, a comida trabalha para criar uma conexão emocional para ser sentida além das barreiras de linguagem”. Em resumo, “a gastrodiplomacia procura criar uma conexão emocional, através da diplomacia cultural, por meio da comida”. Como observa Robert Kenzo Falk, professor do curso de Gastronomia da Universidade Estácio Santo Amaro, A gastrodiplomacia tem o envolvimento direto de governos, que procuram expor a gastronomia de um determinado país como atrativo de destino turístico. […] Com isso, movimentam toda uma cadeia, não só turística, mas de alimentação, que envolve logística, produção, toda a parte de distribuição, consumo e exposição desses produtos a um público externo. Não é por outra razão que também diversos especialistas em economia criativa passaram a considerar a gastronomia como sendo parte integrante de sua área de abrangência. Evidência disso é que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), incluiu a gastronomia como uma das sete categorias da Rede de Cidades Criativas, criada em 2004 com o objetivo de promover a cooperação internacional entre as cidades comprometidas em investir na criatividade como forma de estimular o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e o aumento da influência da cultura em todo o mundo. Destaques da gastrodiplomacia Projetar a imagem de um país por meio de uma manifestação cultural não é tarefa fácil e exige um significativo esforço de marketing, notadamente no que se refere à construção e consolidação de uma marca, como ocorre com qualquer produto ou serviço. Não canso de mencionar dois exemplos que revelam a elevada capacidade da Colômbia nesse sentido: o primeiro deles, que mostra como bem desenvolver uma marca pode ser identificado no “café de Colômbia”. Embora não seja o maior produtor mundial, a Colômbia conseguiu imprimir ao seu café uma imagem de alta qualidade que faz com seja o mais desejado em diversas partes do mundo; o segundo, típico de uma forma positiva de explorar a economia criativa, refere-se ao sistema de bibliotecas que se vê em importantes cidades colombianas como Bogotá e Medellín. Esse aspecto não passou despercebido por Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, que a ele se referiu da seguinte forma no magnífico Dicionário Amoroso da América Latina (Rio de Janeiro: Ediouro, 2006): O prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, cuja origem lituana ninguém considera “lesiva à colombianidade” (assim se escreve?), em vez de pôr abaixo estátuas de conquistadores, inventar bandeiras chibchas, está modernizando e embelezando a cidade de Bogotá – nisso continua a política de seu antecessor, o prefeito Enrique Peñalosa, aprimorando seu sistema de transporte (já excelente) e estimulando sua vida cultural e artística de maneira irretocável. Por exemplo, incrementando a rede de bibliotecas – Bibliored – que o ex-prefeito Peñalosa plantou nos bairros menos privilegiados da cidade. Dediquei toda uma manhã visitando três delas, a do Tintal, a do Tunal e especialmente a invejável Biblioteca Pública Virgilio Barco. Magnificamente desenhadas, funcionais, enriquecidas com videotecas, salas de exposições e auditórios onde se realizam, sem cessar, conferências, espetáculos teatrais; rodeadas de parques, essas bibliotecas se converteram em algo muito mais importante que centros de leitura: são autênticos eixos da vida comunitária desses bairros humildes, aonde vão as famílias em suas horas de lazer, porque, nesses locais e ao seu redor, velhos, crianças e jovens se divertem, se informam, aprendem, sonham melhoram e se sentem participantes de uma iniciativa comum. No que se refere à gastrodiplomacia, Peru, Tailândia, Coreia do Sul e Malásia são os países que mais se têm destacado nos últimos anos no plano internacional, graças a estratégias inteligentes que contam, muitas vezes, com apoio governamental[1]. Com isso, passam a ter sua culinária e seus chefs mais renomados disputando a preferência de amantes da boa comida com os representantes de países tradicionalmente reconhecidos como de excelência, como são os casos da França e da Itália. O Brasil na gastrodiplomacia Embora seja a categoria em que conta com o maior número de representantes na Rede de Cidades Criativas da UNESCO[1] e que a cidade de São Paulo seja, reconhecidamente, um dos mais diversificados centros gastronômicos em todo o mundo, o Brasil não é citado como exemplo de gastrodiplomacia, em mais um exemplo típico de desperdício de oportunidade de ocupar papel de protagonismo, a exemplo do que acontece com a própria economia criativa e com a economia de baixo carbono[2]. Trata-se, a meu