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Inteligência artificial x Empregabilidade: Por: Luiz Alberto Machado – Diretor adjunto na Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial

Um dos grandes desafios enfrentados pelo Brasil e por diversos países neste início de ano consiste em reduzir o nível de desemprego, em muitos casos agravado pela pandemia do coronavírus que assolou o mundo todo no ano passado.

O desafio, que é por si mesmo extremamente árduo, ganha contornos ainda maiores se levarmos em conta que estamos vivendo mais uma revolução tecnológica, na qual a tecnologia da informação (TI) e a inteligência artificial (IA) são responsáveis pelo surgimento de máquinas, plataformas e equipamentos capazes de fazer uma série de coisas que dependiam de trabalho humano, pondo em risco a continuidade de muitas profissões e ocupações.

Longe de se constituir em novidade, o tema – já bastante focalizado – costuma voltar à tona por ocasião das revoluções tecnológicas. É exatamente o que está ocorrendo agora, com a publicação de novos livros e artigos, bem como da revisitação a publicações mais antigas.

Por se tratar de tema polêmico, divergências são comuns, chegando, não raras vezes, a posições extremadas, o que não chega a causar surpresa se considerarmos, como mencionado na orelha do livro “Boa economia para tempos difíceis”, de Abhijit Banerjee e Esther Duflo, ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 2019, que “vivemos numa época de crescente polarização, na qual ignorância, achismos, ideologia e inércia muitas vezes se articulam para nos dar respostas que parecem plausíveis e promissoras, mas que comumente são construídas sobre os ombros da má economia”.

Para dar início ao exame do tema, vou recorrer a Steven Davis, professor da Escola de Administração da Universidade de Chicago. No livro “Job creation and destruction”, juntamente com os coautores John Haltiwanger e Scott Schuh, ele sustenta a hipótese de que, a não ser em situações excepcionais, o volume de empregos que surgem é sempre muito próximo ao de empregos que desaparecem, embora os últimos tenham muito mais repercussão do que os primeiros.

Feitas essas considerações preliminares, cabem, de imediato, duas perguntas:

  • períodos de revoluções tecnológicas podem ser considerados excepcionais?
  • uma pandemia como a que estamos enfrentando não se constitui numa situação anormal?

Independentemente das respostas a essas perguntas, gostaria de mencionar alguns pontos de vista sobre o tema.

Começo por autores que possuem uma visão quase catastrofista, como Paul Ormerod e Jeremy Rifkin, autores, respectivamente, de “A morte da economia”  e “O fim dos empregos” , previram, em plena década de 1990, um cenário muito complicado, que combina prolongada crise econômica e desemprego generalizado.

Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, também sustentou recentemente uma posição muito próxima. Numa entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo em dezembro de 2020, acerca dos efeitos da pandemia da Covid-19, afirmou: “A política deveria ser a de não voltar para aquele mundo, porque ele estava levando para o fim da existência da humanidade em função do aquecimento global, da concentração de riqueza e da invasão da inteligência artificial”.

Já entre autores que se debruçaram sobre diferentes aspectos da revolução tecnológica em curso, ouso destacar Klaus Schwab, criador do Fórum Econômico de Davos, autor do livro “A quarta revolução industrial” , e um dos maiores pensadores da atualidade, Yuval Harari, autor dos best sellers “Sapiens”, “Homo Deus”  e “21 lições para o século 21” . Ambos não se detiveram apenas ao impacto da revolução tecnológica sobre o emprego, mas, de forma mais ampla, aos dilemas gerados por uma realidade desconhecida ou ainda incipiente, decorrente da Quarta Revolução Tecnológica (ou Indústria 4.0), dominada pela inteligência artificial (IA), robótica, internet das coisas (IoT na sigla em inglês), big data, veículos autônomos, impressão em 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência dos materiais, armazenamento de energia e computação quântica, para citar apenas algumas inovações.

Numa conversa com Luciano Huck publicada em abril do ano passado no jornal O Estado de S. Paulo , Harari reconheceu que a crise desencadeada pela pandemia acelerou mudanças que se encontravam em andamento e, mesmo admitindo que “o futuro não está predeterminado”, é possível afirmar que “assim como as convulsões da Revolução Industrial deram origem às novas ideologias do século XX, as próximas revoluções na biotecnologia e na tecnologia da informação exigirão novas visões e conceitos”. Sendo assim, conclui, “as próximas décadas serão, portanto, caracterizadas por um intenso exame de consciência e pela formulação de novos modelos sociais e políticos”.

Quem também se referiu às mudanças que já vinham ocorrendo e que foram aceleradas pela pandemia foi o Prof. José Pastore, que, num Diálogo no Espaço Democrático, ponderou:

Eu penso que o mundo de amanhã não vai ser totalmente diferente do mundo de hoje. Mas também não vai ser totalmente igual. Vai ter mudança. Acredito que vai ocorrer uma aceleração de coisas que já estão despontando hoje em dia, como, por exemplo, o caso do home office. O home office já é corriqueiro para muitas empresas nos dias de hoje, mas não era para a grande maioria. Agora, com a pandemia, tende a se ampliar muito.

Ainda sobre o home office, salientou:

Então, o home office é uma grande alternativa tecnológica que o mundo digital está trazendo e acredito que nós vamos por esse caminho mesmo. Agora, não significa que todos vão se transformar assim. Muitas e muitas atividades vão continuar de modo convencional. Em primeiro lugar, elas não se ajustam ao home office, elas dependem da presença física. Então, uma linha de montagem sempre vai precisar de trabalhadores presentes. Na agricultura, sempre vai ser preciso alguém que dirija o trator ou que pelo menos dê um sinal para um trator que seja autodirigível. E assim por diante. Além do mais, não são todas as atividades que permitem o trabalho dessa maneira à distância, sem muita segurança. Nas atividades estratégicas da empresa, que envolvem às vezes confidencialidade, privacidade, a presença física das pessoas é muito importante.

 

Referindo-se à incorporação de novas tecnologias e seus efeitos nas relações de trabalho, destacou:

Outra tendência: cada vez mais o mundo está incorporando tecnologias e elas estão garantindo mais produtividade na maioria das atividades. No Brasil não é diferente, mas a produtividade aqui está muito atrasada. Existem vários fatores que travam a produtividade. Por exemplo, a organização das empresas. Uma empresa bem administrada é mais produtiva do que uma empresa mal administrada. A própria incorporação das tecnologias – as empresas mais qualificadas tendem a ter mais chance. Mas é muito importante também a qualificação do trabalhador, e esse é um problema mundial. As tecnologias, de um lado, destroem empresas, e de outro, criam empresas. Mas na maioria dos casos transformam os empregos, transformam o trabalho. E para acompanhar essa transformação é preciso ter qualificação, ter educação para poder ler um manual de instrução, para acompanhar as novidades, de tal forma que ao acompanhar as modificações, as inovações, o trabalhador se mantém ocupado, empregado. Isso é muito importante para a produtividade das empresas e para o emprego do trabalhador.

 

Chegando, finalmente, a autores que se debruçaram especificamente sobre a questão central deste artigo, qual seja o impacto da tecnologia da informação sobre a empregabilidade, vou me ater a dois livros: o primeiro, de autoria de Malcolm FrankPaul Roehrig e Ben Pring, tem por título “O que fazer quando as máquinas fazem tudo”. O segundo, já citado no início do artigo, tem o título de “Boa economia para tempos difíceis”.

Os autores do primeiro livro têm a convicção de que, a exemplo do que ocorreu com as revoluções tecnológicas anteriores, simbolizadas pela energia a vapor (século XVIII), pelo petróleo e pela eletricidade (século XIX), e pelos computadores de grande porte (século XX), o saldo da revolução em curso será positivo para a humanidade, de tal forma que após um trauma inicial, quando emerge a ideia de que muitas pessoas ficarão em situação desesperadora por terem seu trabalho substituído pelas novas tecnologias, acabará prevalecendo uma nova realidade em que as condições de vida serão em geral  superiores às de épocas anteriores, como pode ser visto na figura 1.

Como bem observam os autores:

Hoje todos nós nos beneficiamos muito com a automação da era industrial. Os confortos materiais que muitos de nós desfrutamos – carros, TVs, computadores, eletrodomésticos, relógios, viagens de avião etc. – são entregues com uma proporção de preço/desempenho inimaginável apenas há algumas gerações. Afinal, vemos uma TV de alta definição com tela plana de 60 polegadas que, em termos reais, custa um terço do preço da antiga RCA de 19 polegadas que completava o lar de seus pais.

A trajetória, porém, não é simples nem linear, costumando ser caracterizada por um trajeto sinuoso e repleto de incertezas. Para explicar como se dá essa trajetória, os autores identificam uma fase de transição, chamada por eles de “zona de inércia” (figura 2). Essa fase gera grande ansiedade, pois é nela que já se percebem os impactos negativos decorrentes do surgimento das novas tecnologias, mas ainda não se veem os benefícios que surgirão posteriormente. Joseph Schumpeter, um dos mais renomados economistas do século passado, referiu-se a esse fenômeno chamando-o de “destruição criativa”, que é inerente ao caráter evolutivo do processo capitalista[1].

Nas palavras de Frank, Roehrig e Pring: 

Sempre que uma nova forma de automação é introduzida, há consternação e ansiedade. Afinal, no momento, normalmente não podemos ver ainda a nova abundância, o crescimento global de emprego e o benefício líquido na sociedade, mas, com certeza, reconhecemos as perdas iniciais de emprego. Esse processo de automação, inicialmente ruim e, no final, comemorado, tem se repetido com muita consistência.

 Já Banerjee e Duflo dedicam à questão parte substancial do sétimo capítulo de seu livro “Boa economia para tempos difíceis”. Iniciam fazendo as seguintes considerações:

A crescente sofisticação dos robôs e o progresso da inteligência artificial geraram muita inquietação quanto ao que acontecerá com as nossas sociedades se apenas algumas poucas pessoas tiverem trabalhos interessantes e todas as demais forem desempregadas ou só conseguirem empregos horríveis – e, em consequência disso, a desigualdade disparar. Especialmente se isso acontecer por causa de forças em grande medida fora do controle delas. Os poderosos da tecnologia estão desesperados em busca de ideias para resolver os problemas que podem ser provocados por suas tecnologias. Mas não precisamos contemplar o futuro para ter uma ideia do que acontece quando o crescimento econômico deixa para trás grande parte dos cidadãos de um país.

Depois de se referirem a situações como essa no passado, algumas das quais geradoras de desordens consideráveis, como as provocadas pelos luditas no século XIX – “tecelões qualificados que fiavam e teciam na aurora da Revolução Industrial, que, ao serem substituídos por máquinas, reagiram invadindo fábricas e destruindo máquinas em protesto contra a mecanização da tecelagem, que ameaçava seu estilo de vida como artesãos qualificados” –, os autores dão um salto rumo ao presente e observam:

Cada vez mais economistas (e comentaristas de economia) receiam que as novas tecnologias, como inteligência artificial, robôs e automação de maneira geral, destruirão mais empregos do que criarão, tornando obsoletos muitos trabalhadores e reduzindo a fatia do PIB destinada a pagar salários. Hoje, na verdade, os otimistas do crescimento e os pessimistas do trabalho são muitas vezes as mesmas pessoas; elas imaginam que o crescimento futuro será induzido basicamente pela substituição do trabalho humano pelos robôs.

Mais adiante, Banerjee e Duflo analisam o impacto da inteligência artificial sobre determinadas ocupações, alertando para o provável desaparecimento de algumas delas.

A revolução da IA, portanto, está pronta para atingir pessoas em todo o espectro do emprego. Contadores, corretores, consultores de gestão, planejadores financeiros, assistentes jurídicos e jornalistas esportivos, todos eles ou já estão competindo com alguma forma de inteligência artificial, ou em breve vão estar. Os sarcásticos diriam que é precisamente porque esses trabalhos mais sofisticados ficaram ameaçados que finalmente começamos a falar sobre o assunto, e eles talvez estejam certos. A IA, porém, também afetará os empilhadores de prateleiras, os faxineiros de escritórios, os funcionários de restaurantes e os motoristas de táxi. Com base nas tarefas que executam, um relatório da McKinsey[2]conclui que 45% dos empregos nos Estados Unidos correm o risco de ser automatizados, e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) estima que 46% dos trabalhadores dos países que fazem parte da organização exercem funções sob alto risco de serem substituídas ou transformadas.

Como adverti no início do artigo, o impacto da automação sobre a empregabilidade está longe de produzir consenso e as divergências são constantes. E você, caro leitor, tem opinião formada sobre o tema?

Por: Luiz Alberto Machado – Diretor adjunto na Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial 

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