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Macrotendências: mudanças em curso, por Luiz Alberto Machado

Iniciei minhas apresentações nas últimas palestras e lives sobre realidade e perspectivas econômicas focalizando macrotendências. Afinal, considerando o dinamismo do processo evolutivo, cujo ritmo parece cada vez mais alucinante, e as oscilações da conjuntura mundial, é natural que determinados aspectos, países ou regiões ganhem importância, enquanto outros perdem.

Nessa linha, cinco aspectos vinham sendo focalizados, por serem por mim considerados indispensáveis a qualquer análise prospectiva:

  1. Um mundo com acesso generalizado à informação;
  2. O peso cada vez maior das economias asiáticas;
  3. O aumento da desigualdade;
  4. O recrudescimento da violência e do terrorismo;
  5. A islamização da agenda.

Quanto aos três primeiros, não vejo qualquer razão para alterações.

Saímos de uma realidade em que o acesso à informação era um handicap e passamos a viver numa realidade em que o acesso à informação é generalizado, imediato e de fácil acesso. O grande desafio é saber o que fazer com a informação: selecionar, processar e aplicar às suas necessidades.

Há algumas décadas, o bom desempenho das economias de países asiáticos tem chamado a atenção do mundo. Primeiro foi o Japão, que conseguiu superar as enormes dificuldades ocasionadas pela derrota na Segunda Guerra Mundial e se transformar numa das maiores potências econômicas do planeta na década de 1970. Em seguida, houve grande repercussão do acelerado crescimento de algumas economias do sudeste asiático, que se tornaram conhecidas pelo nome de Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong e Taiwan. Com o excepcional crescimento econômico posterior às reformas introduzidas por Deng Xiaoping em 1978, suficientes para transformá-la na segunda maior economia do mundo e maior parceira comercial do Brasil, é natural que as atenções tenham se voltado para a China, que se tornou “a bola da vez”. Isso fez com que o desempenho econômico de outro grande país da região, tanto em extensão territorial como em população, tenha passado quase despercebido, a Índia, que chegou a ter alguns anos de crescimento econômico superior aos da China, embora com acentuadas desigualdades, como observam Jean  Drèze e Amartya Sen no livro Glória incerta.

A desigualdade, por sua vez, é um tema que tem preocupado cada vez mais as lideranças políticas internacionais, as agências multilaterais e os analistas econômicos. Tal desigualdade não se revela apenas entre as nações, mas também, e principalmente, dentro de cada uma delas. Entre os economistas mais influentes da última década (2011-2020), vários se destacaram por concentrar suas pesquisas em questões relacionadas à

desigualdade. Evidência clara disso é que o maior sucesso editorial do período foi o livro O capital no século XXI, de Thomas Piketty.

Com relação às duas últimas macrotendências, que podem ser vistas tanto em separado como em conjunto, dada sua razoável complementaridade, tenho me deparado com informações que me obrigam a fazer algumas reflexões.

O recrudescimento da violência e do terrorismo tem sido examinado por especialistas de diversas áreas do conhecimento, tais como Direito, Sociologia, Psicologia, Antropologia, Economia, Ciência Política, Relações Internacionais etc. Particularmente, no entanto, gosto muito da abordagem de Moisés Naím, editor da revista Foreign Policy, em razão de sua abordagem interdisciplinar. No livro Ilícito, Naím destaca dois fatores com muita propriedade: (i) a ação articulada de criminosos de diferentes países, notadamente nas práticas de pirataria, lavagem de dinheiro e tráfico, naquilo que ele chama de “globalização do mal”; (ii) a falta de articulação dos grupos encarregados de reprimir tais crimes, cuja ação foi por muito tempo isolada e desarticulada.

A combinação desses dois fatores fez com que os criminosos ficassem por muito tempo muito à frente de seus repressores na corrida da violência e do terrorismo.

Essa corrida, aliás, ganhou um componente de enorme relevância nas relações internacionais a partir de 2001, em função do devastador impacto dos ataques terroristas do 11 de setembro e do tipo de reação que despertou no governo de George W. Bush.  A reação de Washington tomou a forma predominante de uma resposta militarizada, incapaz de lidar de modo eficaz com um desafio complexo que requer variedade de abordagens, cujo legado se estende até os dias de hoje.

Como observou o embaixador Rubens Ricupero: “A militarização da diplomacia foi acompanhada de retórica política que utilizou no começo a imagem explícita de uma cruzada antimuçulmana. Manipulou-se, ao mesmo tempo, o medo da população à repetição dos atentados como instrumento de geração de poder dentro dos Estados Unidos, criando a impressão de que se havia desencadeado uma ‘nova Guerra Fria’ ou uma ‘longa guerra’ contra inimigos identificados como fundamentalistas islâmicos”.

Além dos problemas gerados por essa visão deturpada e generalizada dos muçulmanos, muito bem retratada no filme Nova York sitiada, observa-se um retrocesso em áreas antes consideradas como avanços irreversíveis da globalização, entre as quais podem ser citadas as restrições à livre circulação de viajantes e as restrições ao despacho de contêineres de mercadorias.

Um aspecto que despertou atenção nas ações criminosas e terroristas foi a sua execução muito bem organizada, refletindo a existência de grupos que coordenavam competentemente tais ações. O mais conhecido deles foi a Al Qaeda, liderada por Osama Bin Laden e seu parceiro Ayman al-Zawahiri, que transformaram o islamismo político num islamismo militante por entenderem não só que era a única maneira de derrubar as ditaduras do mundo árabe, mas também por incitarem o terrorismo contra a superpotência que os apoiava, ou seja, os EUA.

Em artigo publicado no dia 2 de maio no jornal O Estado de S. Paulo[1], o jornalista e cientista político Fareed Zakaria alerta para duas mudanças importantes verificadas nos últimos tempos, capazes de exigir uma nova interpretação da realidade e, por extensão, uma nova maneira de encarar e enfrentar a situação.

A primeira diz respeito ao caráter localizado do terrorismo islâmico. Para Zakaria: “O terrorismo islâmico hoje tende a ser local, o Taleban no Afeganistão, o grupo Boko Haram na Nigéria, o Al-Shabab no Chifre da África. É uma grande reversão dos dias de glória da Al-Qaeda, quando seus líderes insistiam que o foco deveria estar não no ‘inimigo próximo’ (os regimes locais), mas no ‘inimigo distante’ (os Estados Unidos e o Ocidente num sentido mais amplo)”.

A segunda se refere às ações isoladas – e isso vale também para casos ocorridos na Europa e nos Estados Unidos – de indivíduos desvinculados de qualquer grupo organizado. Segundo Zakaria: “O que permanece hoje são os problemas locais, os descontentamentos locais que na realidade não são parte de algum grande movimento global. E isso vale para o Ocidente também. Houve uma série de ataques islamistas na França, mas todos cometidos por indivíduos não conhecidos antes da polícia, que não faziam parte de nenhum grupo jihadista conhecido. Eles se radicalizaram sozinhos, com o próprio problema pessoal, levando-os a uma ideologia radical. Neste sentido, os atentados islamistas na Europa têm algo em comum com os ataques da extrema direita nos EUA. Indivíduos alienados, que se radicalizaram online, encontram ideologias que transformam seus medos e fúrias numa bomba”.

Entre as diversas implicações acarretadas por essas mudanças apontadas por Fareed Zakaria, a que menos importa é a necessidade de repensar as macrotendências nas minhas apresentações.

Muito mais importante é considerar as implicações para a segurança pública. Isso, porém, exige o exame de especialistas no assunto.

Luiz Alberto Machado Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

[1] ZAKARIA, Fareed. O terrorismo islâmico desapareceu. O Estado de S.Paulo, 2 de maio de 2021, p.  A12. Disponível em https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20210502.

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