O que vem à mente quando você pensa em “liderança tóxica”? Líderes tiranos, que cometem algum tipo de assédio, são detestados por seus liderados e visivelmente preocupados apenas com seus próprios interesses? Pois acredite: não é preciso tudo isso para ser tóxico!
“O líder tirano se reconhece de longe e não há dúvidas de que ele é tóxico. O ponto de partida da minha tese era descobrir se um líder saudável poderia ser contagioso. E o que mais me marcou ao longo da minha pesquisa foi justamente constatar que, sim, até mesmo um líder bonzinho pode ser tóxico; assim como uma mãe que ama demais o filho e acaba sufocando-o. Excesso de amor, de zelo e de servidão pode ser tão tóxico quanto tirania”. É isso que Alessandra Assad revela em Liderança tóxica: você é um líder contagiante ou contagioso? Descubra o que a neuroliderança pode fazer por você, livro que chega este mês às livrarias de todo o Brasil.
Em entrevista exclusiva à VendaMais, Alessandra, que é mestre em neuroliderança, professora nos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), autora de três outros livros (Atreva-se a mudar, Leve o coração para o trabalho e A arte da guerra para gestão de equipes) e que entre 2003 e 2009 foi editora desta revista, explica o que é a liderança tóxica; quais consequências ela traz; aponta como a neuroliderança pode ajudar a formar líderes melhor capacitados; fala sobre como deve funcionar, na prática, o processo de autoanálise e autoconhecimento para que um líder contagioso elimine as toxinas que prejudicam sua liderança e se torne (ou volte a ser) contagiante; e muito mais. Acompanhe o debate inspire-se a ser um líder cada dia melhor!
VendaMais – Sua tese de mestrado – e, consequentemente, seu livro – tem a neuroliderança como ponto de partida. Vamos começar falando sobre esse conceito, então?
Alessandra Assad – Antes de falar do conceito em si, precisamos falar sobre biologia humana.
O cérebro humano é dividido em três partes:
- Cérebro reptiliano –Mais antigo, mais instintivo, responsável pelo mecanismo de luta e fuga, pelo piloto automático, pelo instinto de sobrevivência, por coisas que fazemos sem pensar (por exemplo: quando levamos um susto, é o reptiliano que está comandando nossas reações).
- Cérebro límbico –É a parte do meio do cérebro e é a maior, em termos físicos. Ali está a inteligência emocional, as emoções e a percepção do consciente.
- Córtex –Fica em volta do cérebro límbico e é costumeiramente chamado de “massa cinzenta”. Essa é a parte do cérebro responsável pelo raciocínio, pela reflexão, pela lógica.
Dito isso, para chegar à neuroliderança, precisamos falar sobre a evolução da visão da liderança tradicional ao longo do tempo.
Antigamente, os líderes se preocupavam com a questão estratégica e lógica na hora de desempenhar suas funções. Há alguns anos, porém, esse líder que só utilizava o córtex passou a ser recriminado e considerado frio, calculista, insensível. Então, passou-se a valorizar aquele líder que tinha inteligência emocional; ou seja, que usava o cérebro límbico em suas tarefas como gestor. E a questão da razão foi deixada de lado. Era só emoção que importava. O que aconteceu? A balança ficou desequilibrada novamente, mas dessa vez para o outro lado.
Isso tudo era o resultado da evolução da visão da liderança tradicional. Porém, o que a neuroliderança defende é que é preciso usar as três partes do cérebro ao mesmo tempo para ser um bom gestor. Não basta usar só o límbico, só o reptiliano ou só o córtex. Razão, emoção e lógica precisam caminhar juntas.
Isso requer líderes mais preparados e que entendam como funciona a biologia humana. Não basta simplesmente saber liderar. Saber liderar é uma coisa. Entender como funciona a biologia humana vai além de tudo isso. A gente precisa fazer menos festa, trabalhar menos a emoção propriamente dita e trabalhar mais clareza nos processos, trazer um pouco mais a razão para dar equilíbrio a todo esse processo.
Que tipos de erros são cometidos por líderes que ainda não entenderam a importância de seguir as orientações da neuroliderança?
Vou dar um exemplo que mostra isso muito claramente: por muito tempo se falou sobre a importância de investir em relacionamento com os colaboradores. E aí as empresas começaram a desenvolver algumas ações de endomarketing e isso em certo ponto se perdeu, virou a única grande linha de condução da liderança. É verdade que muitas ações nesse campo são extremamente importantes e precisam ser feitas. Outras, porém, são desnecessárias e podem ser até mesmo prejudiciais.
Peguemos como exemplo os lançamentos de metas que acontecem em resorts. A empresa leva todo mundo para um hotel incrível, faz uma grande festa de lançamento das metas, e o que acontece? Ninguém aproveita aquela estrutura toda, uma grande quantia de dinheiro é investida e, depois que a equipe volta para a rotina, os resultados não acontecem. Por quê? Porque falta clareza nos processos! Não é que as pessoas não tenham vontade de atingir e superar as metas; elas simplesmente não sabem como fazer isso, porque ninguém falou sobre isso!
Atualmente, mais de 80% dos problemas de gestão estão relacionados a problemas de comunicação da estratégia. Os problemas de processo têm início na relação interpessoal. Não o contrário. E isso é ignorado por muitas empresas.
O que temos, então, é o seguinte: os processos vêm do cérebro reptiliano (automático, repetitivo, imitativo). As relações interpessoais vêm do sistema límbico. E a gente precisa usar o córtex para transformar tudo isso em estratégia e fazer com que o equilíbrio aconteça. O nome disso é neuroliderança!
Dentro desse cenário, como surgiu a ideia de estudar e escrever sobre liderança tóxica?
Antes mesmo de começar meu mestrado, eu percebi que existia uma carência de líderes no Brasil. A gente ainda vivia um momento economicamente bom e muitas empresas estavam crescendo. Consequentemente, os profissionais cresceram dentro das empresas e assumiram cargos de liderança mesmo não estando preparados para isso. Ou seja, esse crescimento, que era meio que geral, estava deixando buracos por todos os lados.
Pela falta de preparo, muita gente acabava liderando de uma forma completamente torta. A maioria dos meus alunos está em uma fase em que eles são gerentes ou diretores, mas estão “ensanduichados”; ou seja, são líderes, mas ao mesmo tempo são liderados. E muitas vezes eles eram maus líderes porque não estavam sendo bem liderados. Foi quando eu percebi que o problema estava no fato de que os líderes deles estavam sendo tóxicos!
Eu entendi isso porque muitos desses meus alunos estavam doentes. Alguns tomavam remédio para depressão; outros diziam que estavam tratando a ansiedade; tinha os que enfrentavam problema de acne, afta, queda de cabelo; e assim por diante. Quando eu passei a conectar tudo isso, entendi que era uma coisa tóxica. Foi quando nasceu o conceito de liderança tóxica, que é toda e qualquer liderança capaz de gerar uma toxina que cause dor. Essa dor pode ser de qualquer natureza – física ou psicológica –, porque, quando eu causo uma dor psicológica, cedo ou tarde uma dor física vai se manifestar, e isso vai virar doença.
Mas é importante que fique claro que nem toda toxina é proveniente de assédio e nem tudo que é tóxico é feito com má intenção. A toxina às vezes surge em ambientes saudáveis. Até porque só boa intenção não leva a lugar nenhum…
Quando a intenção é boa, mas o resultado é tóxico
“Nunca vou esquecer um dia em que minha equipe me chamou para uma reunião. Eles tinham algo importante para me dizer. Confesso que fiquei assustada. Fomos todos para a sala de reuniões.
Por um momento eu me senti em um paredão e imaginei que seria bombardeada. O que eles tinham para me dizer era que precisavam que eu mudasse meu comportamento.
- ‘Mas mudar exatamente o quê?’
- ‘Você nos interrompe o tempo todo.’
- ‘Eu faço isso?’
- ‘O tempo todo.’
Seu eu falasse que fazia mesmo e nunca tinha percebido, talvez ninguém acreditasse. Naquele dia minha atitude foi me desculpar e pedir ajuda. Afinal, se eu faço algo que não percebo, como vou parar de fazer?
Criamos juntos um mecanismo de privacidade muito legal. Tipo uma plaquinha com cores verde e vermelha que ficava colada em cima da tela do computador. Eu as conseguia ver de longe. Se estivesse verde, significava que eu poderia ir até lá. Se estivesse vermelho, eu não poderia interromper.
A experiência rendeu muitos frutos, porque todos passaram a respeitar muito mais a privacidade do outro, inclusive a minha. E encaramos tudo isso com bom humor, foi até engraçado porque não foram poucas as vezes em que me aproximei e dei meia volta. A única regra era que o vermelho não poderia ultrapassar mais de 50% do tempo total do dia de trabalho. Depois de algum tempo, recebi até elogios da equipe, e hoje é algo que não preciso mais policiar em meu comportamento. Eu não fazia por mal. Eu queria ser útil, queria resolver, estar presente, ajudar e servir. E estava sendo tóxica. Ainda bem que tive uma equipe que veio conversar comigo sobre isso. Mas eu sempre fui acessível. E isso também pode fazer muita diferença.”
Trecho do livro Liderança Tóxica: você é um líder contagiante ou contagioso? Descubra o que a neuroliderança pode fazer por você
Qual é o caminho que um líder precisa percorrer para deixar de ser tóxico e se transformar em contagiante?
Para mim, tudo começa em um processo de autoanálise que resulte na compreensão de quem é aquele líder e o que ele realmente está fazendo com a sua liderança. Afinal, por mais que a gente sempre queira fazer a coisa certa, nem sempre é isso que fazemos. O que acontece é que, na maioria das vezes, nós somos os líderes que gostaríamos de ter. Porém, nem sempre esse é o líder que devemos ser. E qual é o líder que devemos ser? Aquele de que a nossa equipe precisa! Nesse sentido, é preciso entender as necessidades da equipe em si e se adequar a elas. Além disso, também é preciso olhar para o ambiente e se adaptar a ele, pois só assim conseguiremos fazer com que a equipe se adapte também. E é isso que vai fazer com que a alta performance comece a nascer.
Um líder aparentemente saudável pode se tornar contagioso, intoxicar seus liderados, trazendo-lhes doenças físicas e transformando a empresa em um ambiente tóxico? Como é possível identificar que um líder está se tornando tóxico? Quando é só uma falha – aconteceu, natural, segue o baile – e quando começa a se tornar preocupante? Como identificar quando ele está se tornando, de verdade, um líder tóxico, ou só cometeu um erro?
Erros acontecem. Todo mundo erra. Até porque nenhum líder nasce pronto. Começa a se tornar preocupante quando passa a ficar patológico; quando as pessoas começam a ficar doentes, quando você vê que a equipe começa a apresentar sintomas doentios – físicos e psicológicos. Aqui, é importante apresentar algumas estatísticas.
- No mundo, 80% das pessoas que se afastam do trabalho são infelizes.
- As doenças psicossociais já respondem pela maior parte dos afastamentos no ambiente de trabalho. Os transtornos mentais respondem por 48%. A depressão já é a segunda causa de afastamento no ambiente de trabalho.
- A depressão já afeta 4,4% da população mundial e 5,8% dos brasileiros.
- O Brasil é o país com maior prevalência de ansiedade no mundo: 9,3%. A maior parte desse índice de ansiedade no Brasil vem por causa do trabalho.
- 1 milhão de brasileiros receberam auxílio-doença em 2011 por causa de estresse.
- Para 2030, a projeção é que os gastos relacionados a transtornos emocionais e psicológicos no ambiente de trabalho cheguem a 6 trilhões de dólares.
- As doenças ocupacionais já representam 3,5% do PIB do Brasil.
É com esse panorama que precisamos nos preocupar!
As emoções fazem parte da condição humana. Não existe empresa sem emoção. Mas o que a gente não vê, como líder, é o impacto que essas emoções trazem no ambiente corporativo. Porque a gente passa o dia inteiro pensando em meta e não para pra cuidar dessas emoções. Mas não é por mal que a gente faz isso. A gente está fazendo 200 outras coisas ao mesmo tempo e estamos sempre preocupados com o resultado. Então a grande questão é: o que transforma essa dor emocional em toxicidade é a resposta que se dá para ela. Se essa resposta for nociva, isso se transforma em contagioso. Se essa reposta for curativa, isso se transforma em contagiante.
7 dicas para ser um líder contagiante
- Diversifique tarefas rotineiras.
- Tenha um propósito maior.
- Crie um ambiente motivacional saudável de longo prazo.
- Seja justo na remuneração.
- Estimule autonomia, excelência e propósito (bases da motivação 3.0).
- Evite as recompensas “se… então” → “Se você bater sua meta, então vai poder tirar um dia de folga.”
- Utilize as recompensas inesperadas: “agora que…” → “Agora que você bateu sua meta, poderá tirar um dia de folga.”
- Converse abertamente sobre as dores existentes em sua equipe.
- Comunique expectativas com integridade, pois, quando as pessoas não sabem o que esperar de você, você pode frustrar as expectativas delas – e às vezes um líder é tóxico porque as pessoas estão esperando algo dele que ele nunca prometeu dar! Ou seja, falta de transparência às vezes torna tóxico um líder que não deveria ser.
- Seja coerente. Cumpra suas promessas. Fale e faça!
O que um profissional que percebe que seu líder está sendo tóxico precisa fazer?
Nove em cada dez pessoas têm problemas com seus líderes, trabalham sob pressão e ficam doentes. E, apesar de muitas vezes passarem diversos meses do ano doentes – porque vivem em uma empresa doente e têm um líder doente –, elas não percebem que essa é a causa de toda a dor. Portanto, ao notar que o problema está na liderança, que é tóxica, só há uma coisa a fazer: pedir demissão!
Como diz o pesquisador Stephen Bevan, que é especialista em performance no ambiente de trabalho, não ter emprego é melhor do que ter um emprego ruim! Um estudo da Australian National University apoia essa teoria ao constatar que a saúde mental de quem tem um emprego ruim é pior do que a dos desempregados. Claro que isso não significa que devemos parar de procurar emprego, mas sim que precisamos pensar em como a qualidade do nosso trabalho afeta nossa saúde mental e produtividade.
Portanto, quando os seus valores não estiverem alinhados aos da empresa, quando o seu chefe fizer mal para você – mesmo que você goste da empresa –, você precisa procurar outro lugar para trabalhar. É extremamente necessário ter equilíbrio na vida. Só se produz bem quando o corpo está equilibrado. As pessoas machucadas ficam obcecadas pela dor, não conseguem se concentrar (isso é neurociência!), não são criativas e são incapazes de gerar excelência. O melhor mesmo é pagar o preço e tomar a decisão mais assertiva – ainda que seja dolorida no bolso – em prol da paz de espírito e do equilíbrio físico e mental para que se possa voltar a produzir. Quanto mais você deixar o tempo passar, mais doente você vai ficar. E aí, até você curar a doença, para ficar saudável e procurar um tempo interessante, vai demorar mais tempo. Você vai estar adiando um problema.
Claro que cada pessoa sabe onde dói o seu calo. Precisamos avaliar o nosso próprio cenário. As pessoas têm suas necessidades, suas contas… Eu sei como é duro passar por isso e precisar de tudo isso. É claro que é difícil. Mas não se acomode com essa situação. Se você tá sofrendo, se percebe que essa história está se arrastando, vá em busca de algo que te faça feliz. Às vezes, está em volta da gente e a gente não consegue enxergar justamente por estar tão pressionado pelo sistema.