A Lei Sarbanes-Oxley no Brasil, uma análise dos impactos de suas exigências

As limitações do acesso á poupança nacional pelas vias das bolsas de valores, e a própria disponibilidade dos recursos desejados, levaram muitas companhias brasileiras ao mercado internacional, captando recursos de investidores estrangeiros. O canal de acesso priorizado tem sido a New York Stock Exchange.

Naquele mercado, em resposta aos escândalos e fraudes que abalaram a credibilidade de instituições, que até então predominantemente autorreguladas, o advento, em 2002, da lei sarbanes Oxley, (“Sarbox”) impôs novas regras rígidas de governança corporativa, estendidas pela Securitires Exchange Commission (SEC) às companhias estrangeiras com emissões negociadas nos Estados Unidos.

A extraterritorialidade na aplicação dessa lei e das normas regulatórias conexas é uma as consequências da globalização dos mercados: passa haver inter-relações entre ordenamentos jurídicos distintos. Há, para tanto, procedimentos previstos no Direito Internacional Privado de reenvio e recepção para solucionar conflitos de normas no mesmo espaço. No caso brasileiro, por exemplo, isto se deu para permitir a adaptação das exigências de criação do Comitê de Auditoria, que conflitavam com os do Conselho Fiscal previsto na nossa legislação. Após manifestação da CVM a SEC, o Conselho Fiscal foi aceito como instituição que cumpria a finalidade desejada, desde que com adaptações: criou-se assim o chamado Conselho Fiscal “Turbinado”.

Outros requisitos foram recepcionados, como a criação de Comitê de Divulgação, conciliando os preceitos da Sarbanes com as instruções da CVM, contendo passo a passo os procedimentos para a elaboração de relatórios anuais e demais divulgações ao mercado, segundo os princípios enumerados no título IV, Enhanced Financial Disclosures.

Outra questão crítica foi sobre a competência para a escolha da Auditoria Independente, que na nossa lei é de competência exclusiva do Conselho de Administração, e que de acordo as regras da SARBOX são de competência do comitê de Auditoria. A solução adotada pelas companhias brasileiras foi atribuir ao Conselho Fiscal “turbinado” a indicação do auditor independente ao Conselho de Administração, que, caso concorde, o nomeará.

Ademais, as companhias foram obrigadas a incluir em seus relatórios anuais declarações de natureza civil e penal, emitidas pelo Diretor-Presidente e pelo Diretor Financeiro, nos quais esses administradores atestam a veracidade e a precisão das informações prestadas naquele documento, particularmente as contábeis e financeiras. Isto levou as companhias brasileiras à avaliação rigorosa de seus controles internos – pela administração e pelos auditores externos – mapeando e elaborando planos de ação para correção das falhas.

O cumprimento dessas exigências envolve elevados custos, os quais não estão sujeitas as companhias brasileiras que não acessaram o mercado dos Estados Unidos. E mais, além dessa assimetria, ao adquirir outras empresas, as companhias que acessaram a Nyse, se expõem aos riscos decorrentes de controles deficientes da empresa-alvo, incorrendo nos custos de remoção das falhas constatadas. Claramente, estas assimetrias impactam negativamente as condições competitivas das empresas sujeitas a SARBOX.

Outra questão importante relacionada à aplicação dos dispositivos da Sarbox no Brasil diz respeito às diferenças nas estruturas de controle. Nos Estados Unidos, o capital é detido por um enorme universo de investidores, já as companhias brasileiras emissoras de ADRs tem um acionista controlador ou um grupo identificado de controle. (Embora isto comece a mudar recentemente). O eixo de poder é, portanto, diferente. Enquanto lá, na maior parte das companhias, são os executivos munidos de mandatos (proxies) que nomeiam os membros do Conselho de Administração, podendo assim ocorrem – como de fato ocorreram -fraudes, resultados forjados, e auto premiações ilegítimas para a administração, aqui os acionistas controladores que escolhem os administradores (conselheiros e executivos). Dada esta estrutura de poder, as atribuições da Diretoria Executivas são comparativamente mais limitadas.

Tais características se refletem na doutrina brasileira, que ao tratar de temas como o affectio societatis, centra-se nas relações entre os sócios e na sua conduta enquanto acionistas. Aqui, o conflito de interesse tem como centro o acionista controlador, não a Diretoria Executiva. E é nesse campo que, no Brasil, se instalam os embates sobre os limites legais do exercício do poder nas sociedades anônimas.

É interessante perceber que há paralelos entre as sociedades por ações e, em sentido amplo, as sociedades organizadas sob o regime democrático. Segundo Norberto Bobbio, a democracia pressupõe o controle. O poder dever ser controlado e o único meio de controla-lo é que haja participação que alcance todas as áreas aonde ele é exercido. A Sarbox e as normas decorrentes têm exatamente este propósito.

Pedro Aguiar de Freitas – Consultor Geral Jurídico da Companhia Vale do Rio Doce

  • Fonte: Governança Corporativa. Fundamentos, desenvolvimentos e tendências
  • Autores: José Paschoal Rossetti e Adriana Andrade
  • Editora Atlas – Sétima edição – atualizada e ampliada
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