Para poder exercer atividades relacionadas à assessoria e/ou consultoria econômica, preciso estar atento aos acontecimentos e colher o maior número possível de informações provenientes de fontes confiáveis, para, então, interpretá-las e, dependendo do caso, elaborar análises ou construir cenários.
Nesse sentido, chama atenção a diferença observada atualmente entre as perspectivas da macroeconomia, que trabalha com dados agregados, e da microeconomia, mais voltada para questões setoriais.
Na macroeconomia constata-se clara mudança a partir de julho, com a substituição de uma visão otimista prevalecente durante o primeiro semestre por uma visão mais pessimista, como demonstram os dados das sucessivas edições do Relatório Focus, divulgadas às segundas-feiras pelo Banco Central, contendo as previsões dos agentes do mercado financeiro.
No que se refere ao Produto Interno Bruto, depois de uma série de previsões de crescimento robusto (mesmo considerando o efeito estatístico decorrente do mau desempenho de 2020), observa-se progressiva redução. Já no que se refere à inflação, ocorre o contrário. No início do ano, a projeção era de uma variação do IPCA dentro do limite da meta (que em 2021 tem o centro fixado em 3,75%, podendo variar entre 2,25 e 5,25%). À medida que o tempo foi passando e os preços foram aumentando, as projeções se elevaram e se afastaram consideravelmente da meta.
A tabela 1 mostra a evolução recente desses dois indicadores.
A tendência, para os agentes do mercado financeiro, é que as projeções continuem se deteriorando com redução ainda maior da expectativa de crescimento do PIB e de elevação ainda maior da expectativa de inflação, o que exigirá novos aumentos da taxa básica de juros (Selic), com provável impacto negativo sobre o nível de atividade econômica.
Na microeconomia, por outro lado, percebe-se uma perspectiva bem mais favorável em diversos segmentos de atividade. Na última reunião do Comitê de Avaliação da Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo, realizada dia 26 de agosto, depoimentos de representantes de diversos segmentos indicaram a continuidade de uma recuperação iniciada já no segundo semestre de 2020, após o violento baque provocado pela pandemia do coronavírus. Entre os segmentos com desempenho positivo, destacam-se; (i) o do agronegócio (apesar dos problemas enfrentados por questões climáticas); (ii) os da construção civil e de materiais de construção; (iii) o do setor eletroeletrônico, mesmo com gargalos em logística e com semicondutores (pesquisa da Abinee revela expectativa positiva de 79% dos associados, contra 17% que apontam para a estabilidade e apenas 4% com expectativa negativa); (iv) do setor farmacêutico; (v) do setor de embalagens, que funciona como uma espécie de termômetro do andamento da economia; e (vi) do comércio eletrônico (e-commerce), que registrou o expressivo crescimento de 31% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2020. No mesmo período, constatou-se um crescimento do ticket médio da ordem de 22%. Outro dado relevante é que em 2021, 42 milhões de pessoas fizeram pelo menos uma compra nesse formato. Os setores com maior crescimento no e-commerce foram: casa e decoração (aumento de 122%), pet e artigos esportivos.
O varejo também dá sinais de recuperação, que acelera com a progressiva eliminação das restrições ao funcionamento de lojas, bares, restaurantes e outros serviços. A recuperação, no entanto, ainda não foi suficiente para compensar o recuo anterior e vem acompanhada de nítida concentração, favorecendo as grandes redes em detrimento do pequeno varejo.
Como esperado, o desemprego permanece em patamar elevado, uma vez que antes de sair contratando, as empresas deverão alocar os fatores ociosos dos períodos de retração e estagnação[1].
[1] Acompanhar meu comentário “A resposta tardia do emprego” no Podcast do Espaço Democrático. Disponível em https://espacodemocratico.org.br/podcasts/a-resposta-tardia-do-emprego/.
Luiz Alberto Machado[1]
[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.